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TESES DE DOUTORADO // TESES EM 2024 |
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ALLAN CARLOS DOS SANTOS |
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A Fabricação do Pânico Sexual Bolsonarista: do “kit gay” à “mamadeira de piroca” |
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Orientador: Igor Pinto Sacramento
Resumo: Esta tese propõe um olhar à trajetória midiática explorada por Jair Messias Bolsonaro para se projetar nacionalmente e ascender à Presidência da República do Brasil focado na mobilização política pela manutenção das hierarquias de gênero e sexualidade. Para tal, mapeia, identifica e analisa alguns dos processos comunicacionais por meio dos quais o então deputado federal (1991-2018) estigmatizou os Programas “Brasil Sem Homofobia” (2004) e “Escola Sem Homofobia” (2011) como partes constitutivas de um suposto “kit gay”. A partir da análise de práticas significantes, compreendidas como “espirais de significação”, percorro um caminho investigativo que problematiza quatro processos de subjetivação que alimentaram a fabricação do pânico sexual bolsonarista na cultura brasileira contemporânea: 1) a “doutrinação homossexual” nas escolas públicas do ensino básico; 2) a encarnação do “monstro pedófilo” na esquerda petista; 3) a transnacionalização do pânico via “ideologia de gênero”; 4) a atualização dos estudos de gênero e sexualidade como os instrumentos centrais do novo “perigo vermelho” comunista. De modo a examinar os discursos que o próprio Jair Bolsonaro produziu em diálogo com uma “campanha global antigênero”, coletei e armazenei como fontes documentais desta pesquisa 58 pronunciamentos proferidos pelo parlamentar na Tribuna da Câmara dos Deputados e 66 postagens compartilhadas pelo ex-capitão do Exército em sua página oficial do Facebook. Marcadas pelo desprezo à verdade e ao conhecimento característico das expressões contemporâneas do bullshit, este trabalho identificou que as práticas retóricas bolsonaristas escalaram os sentidos de perigo articulados pelo significante “kit gay” do socialmente permissível para o moralmente intolerável, extrapolando para a criminalidade perversa, a violência extrema e o totalitarismo de Estado. |
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AMANDA DE SOUZA SANTOS |
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Da Cruzada Anticorrupção às Guerras Culturais: populismo conservador, ressentimento e discursos conspiratórios no Brasil |
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Orientador: Paulo Roberto Gibaldi Vaz
Resumo: Tendo como pano de fundo a súbita ascensão do populismo conservador no Brasil e em diversos países, este trabalho busca refletir sobre os discursos contemporâneos que contribuem para o avanço da extrema-direita global a partir da discussão sobre eventos recentes da história política brasileira. A pesquisa utiliza três estudos de caso como ponto de partida para a reflexão proposta. No primeiro capítulo, discutimos como desde as Jornadas de Junho de 2013 a luta contra a corrupção no Brasil forneceu as condições necessárias à emergência de uma nova direita no país, fortemente organizada através das redes sociais, que constituiu a principal base de apoio ao candidato Jair Bolsonaro nas eleições de 2018. O segundo capítulo examina o conceito de guerras culturais e propõe que, na retórica do campo conservador, o conceito se torna modo de denunciar a hegemonia cultural de esquerda no Ocidente e suas consequências. Nesse capítulo, os documentários da produtora Brasil Paralelo são utilizados como objeto empírico para investigar quais os principais argumentos em jogo na construção desses discursos. O terceiro capítulo discute como teorias da conspiração e fake news foram utilizadas para manter a militância bolsonarista mobilizada após a derrota nas eleições de 2022. A partir desse exemplo, a pesquisa propõe uma discussão sobre como a infraestrutura das plataformas digitais vem transformando o debate político e favorecendo o fenômeno da desinformação nos dias atuais. Por fim, sugerimos que as três análises revelam que o populismo conservador está acionando discursos conspiratórios para culpar a corrupção das elites e uma suposta hegemonia cultural de esquerda por diversas formas de mal-estar, alimentando o ressentimento nas sociedades contemporâneas ocidentais. |
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AUGUSTO FLAMARYON CECCHIN BOZZ |
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A Invenção de um Bem-dizer a Verdade: mídia, testemunho e emoções na experiência da depressão contemporânea |
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Orientador: João Freire Filho
Resumo: Pessoas com transtorno depressivo lançam mão hoje fortemente da prática testemunhal para dizer a verdade sobre o sofrimento. Eles acreditam que a palavra veraz ligada ao testemunho possui eficácia terapêutica ao proporcionar o retorno da autoestima e dar amparo a outras pessoas que sofrem do mesmo problema. Para compreender a atualidade desse fenômeno e as disputas que lhe envolve, é preciso, antes, recuar no tempo para desembaraçar seus fios. O objeto de pesquisa consiste em testemunhos de pessoas com transtorno depressivo veiculados nos jornais Folha de São Paulo e O Globo entre os anos de 1990 e 2010. O material de análise foi coletado através do acervo online dos jornais. Considerou-se todos os textos jornalísticos em que uma pessoa com transtorno depressivo refletia sobre a sua condição e o seu dizer. Consideramos o testemunho como uma prática de verdade, dentre tantos que nossa cultura oferece, e que recentemente se ligou à experiência da depressão. As questões que suscitaram a pesquisa foram: que verdade do sujeito a prática testemunhal produz para que ele próprio possa proferir um discurso veraz? Que jogo determinado de verdade ela introduziu, graças a sua estrutura, tanto para o sujeito quanto para o real de que ele fala? Quais esquemas e estratégias de relações entre sujeitos ela impôs para que fosse efetivada socialmente? O método de investigação foi a arqueologia, a genealogia e o estudo comparado de sistemas de pensamento. A partir da genealogia, notou-se que os testemunhos de pessoas com transtorno depressivo inauguram um bem-dizer a verdade que se distingue do discurso da melancolia. Ao longo das décadas estudadas, a arqueologia dos testemunhos mostrou que eles se estruturam como um sistema complexo de restrições e, sem dúvida, não poderia funcionar sem este sistema, pois a restrição define a qualidade da testemunha, os seus gestos, os seus comportamentos e todo o conjunto de sentidos que acompanham seu discurso. Os testemunhos fundam um passado de sofrimento (cuja imagem é a separação de si), uma necessidade de mergulho nas emoções e a urgência em levar adiante a palavra de salvação. Essa estrutura fixa, assim, a eficácia de suas palavras e seu efeito sobre aqueles aos quais se dirigem. A história dos testemunhos de pessoas com transtorno depressivo bem como a estrutura de seu dizer-a-verdade contribui de maneira significativa para a formação de um esquema de sociabilidade que hoje se lança mão com naturalidade. Sugerimos que tais testemunhos sinalizam, no interior de nossa cultura, as mudanças sistêmicas e cruciais nos modos pelos quais os sujeitos são chamados a dizer a verdade, constituindo, assim, parte do fenômeno que hoje se vê recobrir as redes sociais. |
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BRUNO FABRI CARNEIRO VALADÃO |
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As Heterotopias Antropofágicas: por um pragmatismo da devoração |
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Orientador: Giuseppe Mario Cocco
Resumo: Na contemporaneidade, compartilhamos do sentimento de uma “promessa não cumprida” dado algumas “distopias do presente.” O afeto aparentemente predominante é o do medo do porvir. Eis que surge a indagação: fomos traídos pelas utopias? Certamente não. As utopias, no sentido estrito, cumprem muito bem o seu papel: a incessante criação de imaginários, o sonho de um mundo diverso compartilhado socialmente. Mas as utopias não têm, necessariamente, uma ancoragem no presente, bases sólidas na realidade material. Propomos que, o que existe efetivamente, entre nós, não são as utopias, mas as Heterotopias: lugares, topos, de onde surgem as “comunidades que devém”, tanto em nosso espírito (ou intelecto), quanto em nossa sociabilidade, mas que estão “transbordando” em espaços-tempos que ainda não foram alcançados pela análise microfísica da vida aparentemente sem freios da modernidade. As “Heterotopias antropofágicas” são em tudo diversos em relação às instituições, seus lugares, e suas ideologias, promovendo a celebração da vida realmente vivida agora. Portanto, neste trabalho, afirmaremos a soberania do tempo, do devir, do pluralismo radical do cosmo, e, particularmente, da Devoração enquanto conceito-linha que traça todos os quadrantes da vida. A Devoração, assim como a genealogia é “cinza”, porque plena de limiares. O pensador e poeta modernista, Oswald de Andrade, criador do que talvez seja a única filosofia originalmente brasileira, a Antropofagia, nos oferece uma noção-chave: o “sentido devorativo” do universo; talvez o único “universal”, a “única lei do mundo” de um ponto de vista radicalmente plural sobre o cosmo. Neste trabalho, pretendemos ajudar a desenvolver o conceito de Devoração ao propor que ele conforma esteticamente a experiência do tempo e do pensamento, além de ser uma “operação do devir”: em outras palavras, uma pragmática, um “pragmatismo da Devoração”, nossa verdadeira consistência na heterogeneidade absoluta. Nosso verdadeiro habitat. |
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FELIPE LEAL ALMEIDA RESENDE |
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Corpos Oraculares: ensaios sobre comunicação, futuro e coexistência na dramaturgia de ‘Alarma de Silencio’ (2002), de Marcelo Evelin |
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Orientadora: Kátia Valeria Maciel Toledo
Resumo: A partir da performance Alarma de Silencio (2002), o objetivo desta tese é levantar a possibilidade de que as metodologias de composição dramatúrgica centradas na investigação das próprias bailarinas de temas, movimentos, questões, gestos e forças de memória oriundos de seus corpos possam ser práticas oraculares, isto é, orientadas sobre um “pôr-se a ouvirem” as condições vindouras de existência de seus seres, nesses ritos de dança pensados como uma comunidade atada de vozes sobre o porvir. Prática até hoje preservadas no território das religiões, e que instituíram desde as antiguidades uma função medial na leitura da outros modelos de temporalidade à vida que não o dos intuitos individuais, nossa hipótese almeja estender a noção de oraculismo às tecnologias anímicas, extáticas, miméticas e comunicacionais (incluindo abordagens de alteridades não necessariamente humanas, como o som, o sonho, os fantasmas, as anêmonas e as flores) que as travessias da dança que pensa que o corpo como geografia das energias a levar ao palco podem levantar; palco este imaginado como uma folha em branco nada exemplar para o início de uma conversa entre estranhos, mas já povoada de memórias e ecos que são o “texto” carnal destas bailarinas. Imaginar essa pesquisa ofertada pelas teatralizações da dança como a reativação de vozes nunca silenciadas cujos tempos podem se entrecruzar a partir de ritualísticas proferidas pelo lugar de contestação que as profetisas, sacerdotisas ou bailarinas tiveram para aglomerar seus significados, sobrevivências, prazeres, previsões e direções comuns... é pensar tais lugares de desobediência linguística (Comunicacional), de autoinvestigação dos corpos sem tempo, em si, como epistemologias sobre um futuro comum. |
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FERNANDA ESPÍNOLA PARAGUASSU DE SÁ |
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Mídia, Refúgio e Estigma na Modernidade Tardia: uma análise a partir da teoria da estruturação |
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Orientador: Mohammed ElHajji
Resumo: A proposta deste estudo é de ordem teórica-conceitual e empírica-investigativa. O objetivo é buscar uma teoria para compreender de que maneira a mídia influencia o estigma e o poder de agência do refugiado na modernidade tardia. Considerada um fato social total, sabemos que a migração não tem todos os seus aspectos englobados por uma única teoria. Com isso, optou-se pela teoria da estruturação de Anthony Giddens, com foco sobre a compreensão da agência humana e das instituições sociais. De acordo com a teoria giddensiana, estruturas podem permitir ou restringir ações de uma pessoa, que, por sua vez, tem poder de agência para modificar estruturas. O processo metodológico consistiu na seleção de fotos sobre o refúgio publicadas na mídia, agrupadas em quatro grupos de diferentes contextos. Em seguida, adotou-se a abordagem qualitativa, com sete entrevistas semiestruturadas feitas com delegados da Conferência Estadual de Migrações, Refúgio e Apatridia (Comigrar) do Rio de Janeiro de 2024, entre migrantes em contexto de refúgio e refugiados, para analisarem as imagens. A percepção dos refugiados foi predominantemente negativa, revelando impactos profundos sobre suas vidas, e contribuindo para a estigmatização do refugiado como vítima e reflexos sobre seu poder de agência. Ficou evidente a necessidade de uma comunicação mais equilibrada e eficiente. No mundo globalizado da modernidade tardia, em que o passado é algo que pode ser questionado, o presente é território desconhecido e o futuro tornou-se uma paisagem borrada, a estrutura impõe importantes desafios difíceis de serem transpassados. |
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KENZO SOARES SETO |
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Muito Além do Vale do Silício: o imaginário dos trabalhadores da tecnologia no Brasil entre o subimperialismo de plataforma e os algoritmos dos oprimidos |
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Orientador: Henrique Antoun
Resumo: Esta pesquisa investiga os imaginários dos trabalhadores das tecnologias da informação (TI) brasileiros em relação à função social e os efeitos na sociedade das tecnologias e plataformas que desenvolvem, assim como sobre sua governança e regulação. Como resultado, emergiram os conceitos de Subimperialismo de Plataforma, Função Social dos Dados e Algoritmos dos Oprimidos. Esses resultados refletem um longo caminho metodológico. Para a definição do objeto de pesquisa, foi realizada uma Revisão Sistemática de Literatura (RSL) de 381 artigos em periódicos nacionais sobre plataformas digitais e regulação. Constatada a lacuna sobre o tema, a discussão da literatura foi organizada em torno de dois eixos centrais. O primeiro analisa o contexto histórico-econômico da comunidade de trabalhadores de TI no Brasil buscando compreender o lugar singular de sua indústria entre os países dependentes do Sul Global. A partir da crítica da teoria do Colonialismo de Dados, resgatou-se a Teoria da Dependência para compreender a inserção do Brasil na divisão internacional do trabalho das cadeias de T.I, na interseção entre Capitalismo de Plataforma e Capitalismo Dependente. Dessa reflexão emergiu uma das hipóteses originais desta tese, a de que o Brasil constitui um Sub-imperialismo de Plataforma, combinando o trabalho precarizado em plataformas endógenas com o de cientistas de dados e engenheiros de software nacionais, cujos imaginários sóciotécnicos são influenciados por essa inserção brasileira sui generis na economia global. Também analisamos as condições de trabalho e as formas de organização coletiva desses trabalhadores no Brasil, abordando fenômenos como a flexibilização, o individualismo e a colaboração dentro da sua comunidade. O segundo eixo de análise investiga a construção histórica do imaginário hegemônico entre os trabalhadores de TI ao redor do mundo, a Ideologia Californiana. Para compreender como determinados princípios sociotécnicos se constituíram como hegemônicos, da naturalização de cadeias remotas de controle ao tecnosolucionismo, investigamos suas origens no complexo industrial-militar, na cibernética e nas teorias da comunicação apropriadas por um intelectual coletivo do Vale do Silício, a Revista Wired. Em seguida, investigamos a história do Vale do Silício a contrapelo, destacando o papel das lutas sociais e de sujeitos oprimidos no seu passado e presente, assim como as tensões entre o imaginário irradiado desde o Vale com as realidades de trabalhadores de T.I do Sul Global. A investigação empírica dessas tensões no Brasil ocorreu por meio de entrevistas em profundidade e amostragem por bola de neve. A partir das entrevistas com cientistas de dados e desenvolvedores brasileiros que atuam em empresas estrangeiras, nacionais e públicas, assim como movimentos sociais, delineou-se um conjunto de temas emergentes na comunidade. Desde as diferentes concepções sobre a Soberania Digital até o impacto social da Inteligência Artificial e de vieses algorítmicos. Além das lutas dentro e contra as plataformas corporativas e a criação de plataformas de propriedade dos trabalhadores. Desse modo, emergiram os conceitos de Algoritmos dos oprimidos e de Função Social dos Dados como mediações entre uma prática política centrada no desenvolvimento de sistemas técnicos e a compreensão crescente da comunidade do papel do Estado na governança das tecnologias digitais. |
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LUIS CLAUDIO DE SANT`ANNA MAFFEI |
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A Sociedade do Smartphone: uma leitura da digitalização do mundo |
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Orientadora: Janice Caiafa Pereira e Silva
Resumo: Esta tese se propõe pensar o fenômeno da digitalização do mundo, tendo como elemento central e operador o smartphone, que já guarda em si o antepositivo smart, tão caro ao neoliberalismo. Esse dispositivo, que facilita a proliferação inaudita e irrefreada de uma ciberesfera como lugar mais lugar que os lugares (físicos, reais), possibilita uma alteração extrema em vários aspectos do comportamento humano. Uma das mudanças mais sensíveis diz respeito à própria fisicalidade humana no mundo, e à fisicalidade do mesmo mundo: a potência da nossa relação com a paisagem e nossas realizações poiéticas sofrem um abalo importante, e passamos a viver em constante estado de despresença. Além de nossos corpos, nossas mentes são modificadas, pois uma realidade infosférica, mediada, em grande medida, pelo smartphone, absorve e replica muitos procedimentos do capitalismo, entre os quais a comoditização das identidades – o que provoca uma substantiva alteração mesmo em noções como subjetividade e alteridade – e uma aceleração infrene do tempo, conduzindo-o, no limite, a perder sua força kairótica. Essa identidade commodity, baseada na necessidade de uma contínua mostragem, enforma um novo tipo de espetáculo, que esconde um controle modular cujo efeito é nos transformar, cada vez mais, de agentes em ambiente. Esse estado de coisas provoca, inevitavelmente, um empobrecimento crescente da linguagem, mediação indispensável para a gente humana, e um embaralhamento da ideia de verdade. Uma das consequências de uma linguagem esvaziada e rarefeita é a diluição da política, que se afasta de uma necessária vinculação com o pensamento e com o alter e se aproxima de uma perigosa irracionalidade. |
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MARIANA DIAS MIRANDA |
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O Enigma do Invisível: o conceito de atmosfera no cinema |
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Orientadora: Beatriz Jaguaribe de Mattos
Resumo: Na última década, o conceito de "atmosfera" —juntamente com seus termos correlatos, como "ambiência", "humor" e "Stimmung" — tem ressurgido de maneira significativa nos campos do cinema e da literatura. Embora tenha suas raízes na filosofia estética do século XVII e posteriormente integrado ao cinema por teóricos como Béla Balázs (1970) e Lotte Eisner (1965), esse termo voltou a ganhar destaque no contexto dos debates metodológicos da "virada afetiva" (affective turn) e do pós-estruturalismo em sentido amplo. A atenção crescente à experiência, às sensações e aos afetos têm alimentado o olhar para aspectos que escapam à construção narrativa enquanto eixo central de organização da forma fílmica. Contudo, ao examinar a relevância dos termos "afeto" e "força" em relação à ideia de atmosfera nas análises contemporâneas, percebe-se uma tendência à generalização e uma auto evidência que acabam por esvaziar o conceito de seu poder analítico. Este estudo, portanto, buscou traçar um percurso histórico da noção de Stimmung/Atmosfera, com o objetivo de esclarecer sua especificidade enquanto categoria estética mobilizável pela forma fílmica. Em primeiro lugar, foi realizada uma análise de seus usos atuais, abordando as propostas de teóricos como Gumbrecht (2014), Böhme (2017), Gil (2005), entre outros. Inserindo o debate no contexto da teoria afetiva, este trabalho explora como esse arcabouço teórico pode complicar ou enriquecer as definições e metodologias de análise relacionadas à atmosfera. Ao enfrentar a problemática da ontologia da atmosfera e suas intersecções com a teoria afetiva, propõe-se uma recuperação das noções de "geometria dos afetos", vinculada à leitura da "forma dos afetos" (BRINKEMA, 2014) e à crítica da experiência afetiva (LEYS, 2011), redirecionando a análise para as formas e figurações estéticas. Esse enfoque desloca o espectador como principal explicador do fenômeno atmosférico e propõe, em seu lugar, uma alternativa de cunho formalista. Com base nesse percurso e na investigação da história da sensibilidade que possibilitou o surgimento dessa categoria — particularmente em relação a dimensões de expressão do invisível — este trabalho formula uma definição de atmosfera, fundamentando sua especificidade pela via dos "afetos negativos", notadamente a angústia melancólica. Com isso, foram exploradas as possibilidades éticas e estéticas dessa categoria no cinema, elaborando os pressupostos das "formas atmosféricas" em filmes como Retrato de Uma Jovem em Chamas, Objetos Rebeldes, Inverno de Sangue em Veneza, La Bête, entre outros.
A autora não autorizou a disponibilização da tese. |
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PAULA CARDOSO PEREIRA |
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Futuros Maquínicos: racionalidade e temporalidade nos algoritmos da Inteligência Artificial |
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Orientadora: Fernanda Glória Bruno
Resumo: Esta tese investiga questões de ordem epistemológica e, sobretudo, cronopolítica nos algoritmos preditivos da Inteligência Artificial, ou seja, aqueles que utilizam métodos de aprendizado de máquina. A hipótese central que nos orienta é que, em virtude da centralidade do conhecimento e intervenção sobre a dimensão temporal para a racionalidade algorítmica, sob a forma da predição de probabilidades, os algoritmos da IA podem ser considerados tecnologias de governo do tempo. Argumentamos que seus efeitos mais poderosos, marcadamente performativos, residem no modo com que vêm, progressivamente, modulando o curso das ações e eventos possíveis, ou simplesmente, o que chamamos de campo do possível. Seja na regulação personalizada do espectro visível e legível nas plataformas digitais, na automatização de interpretações e decisões nas mais variadas esferas ou nos mundos sintéticos e cada vez mais abundantes fabricados pelos modelos generativos, vem sendo gestada uma algoritmização do tempo que tem como uma de suas principais características uma redução das possibilidades às probabilidades. Além desta dimensão, nos debruçamos sobre a noção de futuros maquínicos, situando essa reflexão num panorama mais amplo sobre futuros históricos na modernidade e na contemporaneidade. Propomos tal noção para designar a modalidade de futuro produzido por meio das técnicas, práticas, discursos, promessas, imaginários e ideologias sobre a Inteligência Artificial na contemporaneidade. Deste modo, uma das perguntas que atravessa esta tese se desdobra num duplo movimento complementar: por um lado, o questionamento por que forças (sociais, epistêmicas, materiais, históricas, etc) dão forma à algoritmização do tempo e do futuro e, recursivamente, quais os efeitos e implicações de dita algoritmização. A tese está estruturada em dois eixos: um epistemológico e um cronopolítico. O primeiro está centrado sobre o modelo de racionalidade e cognição algorítmicos e sobre o regime de saber que sustenta tal modelo. O segundo, por sua vez, desdobra-se em duas vias: num aprofundamento sobre os regimes de temporalidade algorítmicos, incluindo dois estudos de caso, um sobre o TikTok, outro sobre o ChatGPT, e em reflexões sobre os futuros maquínicos. |
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RIBAMAR JOSÉ DE OLIVEIRA JUNIOR |
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Reisados Transviados: o gênero brincante nas performances de tradição do Ceará |
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Orientador: Denilson Lopes Silva
Resumo: Esta tese tem como objetivo analisar a experiência estética de brincantes LGBTQIAPN+ a partir das performances da tradição do Reisado no estado do Ceará, região Nordeste do Brasil. Para tanto, apresento uma cartografia das dissidências sexuais e de gênero através das cidades cearenses que possuem a produção performativa dessa manifestação popular, no sentido de acompanhar a relação subjetiva de brincantes trans e travestis, não binárias, bichas, sapatonas, bissexuais e drag queens no folguedo. Há 8 anos, entre 2016 a 2024, tenho adentrado o circuito afetivo do teatro de Reis no sentido de pensar a insurgência de um artivismo em sua forma brincante, principalmente, a partir da noção de encantamento atrelada à performance cênica do Reisado que mostra como brincantes se encantam para incorporar uma figura lúdica e se desencantam para retornar ao cotidiano. Assim, trabalho com a hipótese de que o artifício constrói modos de vida entre as performances do Reisado que, por sua vez, podem ser articuladas por brincantes dissidentes sexuais e de gênero por uma experiência estética capaz de revisar paradigmas identitários do corpo cristalizados na identidade regional, sedimentados na cultura popular e fixados nas tradições. Por isso, considero que a valorização do artifício como categoria permite pensar a reinvenção tanto das tradições como a desfiguração do próprio popular. As estéticas do artifício mostram que não há apenas a incorporação de um tempo cósmico onde hierarquias sociais são em si suspensas na busca da semelhança, mas a encenação de afetos e sensações de um tempo fabular onde o próprio corpo se faz como obra de arte apresentada na busca da diferença. Pela minoridade, repenso o teatro como encantamento por uma utopia menor diante das alianças que fazem parentesco como cuirlombos na invenção de transcestralidades rituais. Nesse caso, identifico que há uma linhagem masculina, heterossexual e cisgênera em uma gênero-alogia que permite entender não só a passagem de um travestimento lírico para as travestilidades brincantes, mas os enredos de uma suposta raiz CISgênero-lógica que ao longo do tempo foi naturalizada como a própria tradição em seus sentidos autenticados e preservados. Desse modo, desenvolvo a ideia de um “gênero brincante” como encantaria do corpo que historicamente visibiliza camadas entre figurais, entremeios e performances escavadas por uma perspectiva TRANSgênero-lógica. Nesta cartografia, trago as poéticas de uma nova geração de jovens brincantes que iniciaram a participação na cultura popular no início do século XXI, em sua maioria de pessoas nascidas em meados de 1990 entre as gerações de millenials e Z, sendo esse fluxo geracional importante para um outro modo de apreender a cultura popular por paisagens transculturais na contemporaneidade. Desse modo, creio que essas performances mostram como ampliar categorias estéticas inseridas na cultura midiática e marginais na tradição estética do popular, sobretudo, por um olhar queer. Aqui, não há nada a ser resgatado, mas sim reimaginado através de um Nordeste em devires e por um Ceará transviado, na possibilidade de um outro imaginário de esquiva do passado, escapando a folclorização pelas reXistências. Louvado seja o corpo travesti, nas espirais do tempo brincado seja louvado. |
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ROBERTO ABIB FERREIRA JUNIOR |
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Escavações Comunicacionais: biografia e políticas do obsceno no arquivo pessoal de David Cardoso |
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Orientador: Igor Sacramento
Resumo: Uma das personalidades que emerge no fenômeno cultural e cinematográfico denominado pornochanchada é o ator, produtor e cineasta David Cardoso, que ficou conhecido e marcado em sua trajetória artística como o ‘Rei da Pornochanchada’. A época de ouro da pornochanchada e de David Cardoso emergem no regime ditatorial do Brasil (1964-1985). Seus filmes e sua personalidade geralmente estão na fronteira do que se considera como Cultura e como História do país. O produtor, ator e cineasta participa e promove biografias, autobiografias e projetos de doação do seu arquivo pessoal para instituições públicas a fim de ser reconhecido e preservado como participante da história da televisão e, principalmente, do cinema brasileiro. A tese tem o objetivo de detalhar os jogos de memórias num movimento interpretativo que denomino como políticas do obsceno (a)cerca do arquivo pessoal doado à Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul, guardado num armário e ativado ao longo da pesquisa. Trata-se de um movimento de interações, suposições e disputas relacionadas ao poder a fim de refletir sobre as exclusões, as proibições e os limites dos quais nossa cultura e civilização se constituem historicamente, transitando entre conflitos de terras, sujeitos/personagens à margem, corpos, desejos, prazeres e torturas reprimidas sob à obscenidade. Denomino o caminho desta escrita etnográfica como escavações comunicacionais, partindo da premissa de que o arquivo não é estático e fixo; movimenta-se no espaço-tempo por ações humanas política-socioculturais e entre as tecnologias de comunicação e informação. Trata-se de tomar o arquivo numa perspectiva comunicacional, perturbando sentidos sedimentados entre testemunhos/vestígios, anacronias/inovações, nacional/estrangeiro e cultura erudita/popular a partir de uma analítica de redescrição (releitura), intertextualidades e intermedialidades entre textos, objetos, meios e sujeitos da e na comunicação, os quais se constituem em sentidos dinâmicos espaço-temporais, numa teia de relações entre os sujeitos sociais e do discurso. |
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RONI FRANCI DUTRA FILGUEIRAS |
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Sobreviver aos Tempos Mortos - Neoliberalismo e o Risco de Ser Criança e Adolescente: o discurso sobre suicídio na Revista Crescer |
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Orientador: Henrique Antoun
Resumo: Nossa pesquisa abordará como a epidemia de suicídios entre jovens, a parcela geracional mais atingida pelo fenômeno nas últimas décadas, juntamente com os idosos, ganhou projeção em produtos da mídia (KELLNER, STACK, IEDERKROTENTHALER). A banalização do fenômeno escalou sua evocação como tema jornalístico e obras de ficção que, invariavelmente, apontam como causas o sofrimento psíquico e os transtornos mentais (SAFATLE, DUNKER, FISHER). Cerca de 77% dos suicídios no mundo acontecem em países de média e baixa renda, atingindo um total de 700 mil pessoas por ano, segundo dados da Organização Mundial da Saúde. Nossa hipótese é que a disseminação de mortes autoinflingidas em produtos da mídia a partir de discursos - médicos, sociológicos, biológicos, éticos - e práticas suicidárias operam na cristalização de uma lógica atravessada pelo neoliberalismo (CRARY, BROWN, SENNETT, DARDOT & LAVAL). O neoliberalismo, que promove o surgimento de uma subjetivação “empreendedora de si” (FOUCAULT, MENDES), e que faz do sujeito o único “responsável” por seu distúrbio e sua cura, tirando de cena causas estruturais do modelo neoliberal, em que competição, individualismo, velocidade e ausência de projetos coletivos são os motores desse adoecimento. Nossa análise toma conceitos de biopolítica, governamentalidade, racismo e risco (AGAMBEN, FOUCAULT, BERARDI, VIRILIO, DELEUZE, FISHER, VAZ, EWALD, RABINOW & ROSE) em que atores como as Big Pharma, a ciência e os enunciados médicos tornam a adolescência um fator de risco per se. Nosso corpus são a análise de conteúdo da revista Crescer e obras de cinema e audiovisual, cuja estética se vincula à construção de subjetivações do projeto neoliberalizante. |
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VICTOR GOMES BARCELLOS |
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A Arte da Organização, A Organização da Arte: experiências alternativas de governança do trabalho artístico |
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Orientador: Henrique Antoun
Resumo: A presente tese parte da constatação da existência de um movimento emergente de experiências que, baseadas na cooperação e na solidariedade, buscam criar modelos alternativos de governança do trabalho artístico. Nosso objetivo central foi o de conhecer essas iniciativas e analisar suas condições de possibilidade na criação de formas mais justas e democráticas de organizar o trabalho. De início, realizamos um mapeamento exploratório de projetos ao redor do mundo ligados ao cooperativismo e à economia solidária que resultou na identificação e análise de cento e treze iniciativas. Em seguida, realizamos entrevistas em profundidade com oito desses projetos para conhecer mais profundamente seus modelos de governança e colher suas perspectivas sobre seu campo de atuação. Então, a partir do cruzamento entre os dados obtidos na fase empírica e referências bibliográficas, tecemos reflexões sobre temas como trabalho artístico, plataformização, cooperativismo, economia solidária, modelos de governança e novas tecnologias. Como principal resultado da investigação, encontramos a interessante proposição de uma relação recursiva entre organização do trabalho e criação artística. |
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VINICIUS FERREIRA RIBEIRO CORDÃO |
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O Fim da Homossexualidade: escrituras de um tempo incomum |
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Orientadora: Ana Paula Goulart Ribeiro
Resumo: A presente tese investiga a história comunicacional da homossexualidade no Brasil, com foco nas práticas e nos processos que ajudaram a produzir um comum partilhado ao longo do tempo. Para isso, analisamos como as práticas comunicacionais contribuíram para a coesão e a tensão dentro dessas comunidades, com destaque para o período entre o século XIX e o século XX. Utilizando o referencial teórico de Muniz Sodré, a tese aborda a comunicação em suas dimensões de veiculação, vinculação e cognição, privilegiando os elementos vinculativos presentes nos discursos em circulação e a produção de um “ser-em-comum”. A primeira parte da pesquisa explora a formação e a transformação do "comum homossexual brasileiro" e o seu projeto ético-identitário. Identificamos e caracterizamos, em uma longa duração, as linhas de força que constituem o comum homossexual. Na segunda parte, o estudo foca no impacto do HIV/AIDS como um evento disruptivo que reconfigurou significativamente as relações e a percepção social das comunidades homossexuais. A análise detalha a midiatização do adoecer e as narrativas construídas em torno da epidemia, evidenciando a resistência e as estratégias de enfrentamento adotadas pelos indivíduos afetados. Com isso, a tese oferece uma leitura crítica e histórica das dinâmicas sociais que influenciaram a homossexualidade no Brasil, destacando os movimentos de coesão e crise que configuraram as identidades e relações sociais ao longo do tempo. Em síntese, a pesquisa contribui para a compreensão da comunicação como um processo vital na construção de identidades e comunidades, proporcionando uma visão aprofundada sobre a história da homossexualidade no contexto brasileiro. |
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Artur Seidel Fernandes |
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Raika Julie Moises |
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